segunda-feira, 10 de outubro de 2011


Ciúme: do comportamento fisiológico ao patológico
A mitologia grega tem belas histórias de amor e ciúmes. Uma delas é o romance ente o deus Eros e a mortal Psiquê, cuja beleza atraia admiradores e despertou o ciúme e a fúria de Afrodite, mão e Eros. Para se vingar, ela pediu ao filho que usasse suas flechas encantadas para fazer com que a bela se apaixonasse pela criatura mais feia do mundo. Eros partiu para a missão mas não a concretizou já que se feriu com sua própria flecha e se encantou pela jovem.
Psiquê, filha caçula do rei de Mileto, era a única solteira. Preocupado por não encontrar um pretendente para a moça, o pai consultou o oráculo de Apolo, por meio do qual o próprio Eros ordenou que ele a enviasse para o topo de uma montanha, onde seria desposada por uma serpente. A recomendação foi cumprida e Psique, abandonada ao sacrifício. Tomada por um sono profundo, despertou num castelo florido. Lá se entregou ao romance com Eros, que a visitava todas as noites, sempre no escuro e encapuzado. Inconformadas com a ausência de Psique, as irmãs resolveram procurá-la. Quando a encontraram em um local tão agradável, tendo todas as vontades realizadas por um deus misterioso, o ciúme e a inveja entraram em cena. Influenciada pelas irmãs e a despeito das advertências de Eros, Psiquê insistiu em descobrir a identidade do amado. Uma noite ela conseguiu se aproximar enquanto ele dormia. Deslumbrada com a beleza de Eros, ela deixou cair em seu ombro uma gota de óleo da lâmpada que carregava. Magoado e furioso, ele a castigou por ter desobedecido a seu pedido e a abandonou, apesar de todos os apelos desesperados de Psiquê. As últimas palavras do deus: “O amor não pode conviver com a suspeita”.
É possível entender o ciúme como uma manifestação do ser humano, tão normal quanto a raiva, o medo ou a inveja. Há, no entanto fatores a serem considerados: a origem do sentimento, sua intensidade e duração, a maneira como a pessoa que o sente reage, a importância que assume no cotidiano e interferências que provoca não apenas na vida do ciumento mas na daqueles que o cercam.
O filósofo francês Roland Barthes escreve: “Como ciumento sofro quatro vezes: porque me reprovo por sê-lo, porque temo que meu ciúme machuque o outro, porque me deixo dominar por uma banalidade; sofro por ser excluído, por ser agressivo, por ser louco e por ser comum”. O filósofo mostra a contradição e multiplicidade desse sentimento polimorfo tão presente no cotidiano.
Em diversas situações o indivíduo experimenta descontrole emocional: antigos fantasmas o assombram, levando-o a confundir situações atuais com traumas vividos ou imaginados.
Na psicanálise observamos o caso em que Freud descreve como transferência a situação em que viveu: recém saído da faculdade de medicina, ele conhece o doutor Breuer que apaixona-se por sua paciente Anna O (Bertha Pappenheim). Anna O também apaixona-se por Breuer. No entanto, a esposa de Breuer com ciúmes exige que Breuer pare de atendê-la, indicando o doutor Sigmund Freud, pelo qual a paciente apaixona-se novamente.
A síndrome de Otelo é descrita como a realização do homicídio pelo marido que suspeita da traição de sua mulher. Após cometer o assassinato, suicida-se. É provável que na sociedade em que vivemos as relações tornem-se mais tênues, por um lado, e mais sujeitas ao rebote do efeito social frustrador, por outro. Parece que o indivíduo da sociedade moderna transfere sua busca da realização de anseios de consumo e posse para o relacionamento, concretizando sua raiva e agressividade.
O ciúme é um sofrimento psíquico que anuncia quando a situação passa a causar mal-estar intenso, repetindo-se de forma obsessiva (invasão de pensamentos) e compulsiva (perda do controle sobre suas ações), até comprometer aspectos da vida pessoal. Em algumas sociedades o ciúme é considerado uma “prova de amor”, não sendo possível amar alguém sem que junto venha o sentimento do ciúme. Há pessoas que tentam despertar o interesse do parceiro deixando-o enciumado. No Brasil há poucos estudos sobre o tema, mostrando a consideração do ciúme como um comportamento “normal”.
Estudos recentes nos Estados Unidos mostram que os indivíduos ciumentos possuem fragilidade emocional e extrema insegurança do cônjuge. O perfil do ciumento, verificado por questionários num estudo recente, mostra que são pessoas que duvidam da sua própria capacidade de atrair interessados e de iniciar relacionamentos, tem dificuldades de acreditar que podem manter uma relação estável. A baixa auto-estima não só o leva a acreditar que pode ser traído pelo amado como também o faz esperar constantemente por isso. Outro componente verificado é o tormento da imaginação obscessiva. As pessoas constroem fantasias paranóides, sentindo-se ameaçada pela perda e pela humilhação.
É muito difícil para o profissional estabelecer um limite entre o sentimento fisiológico (normal) e o patológico. A literatura define o ciúme normal como um sentimento transitório, apresentado em momentos específicos, baseado em fatos concretos dentro de um contexto envolvendo um relacionamento amoroso. Já as manifestações patológicas aparecem como preocupações excessivas e infundadas, não necessariamente num contexto de relação amorosa e caracteriza-se com sintomas de quadros como transtornos de personalidade, alcoolismo, depressão e obsessão.
Pessoas com amor patológico também costumam sofrer de ciúmes devido ao intenso e contínuo medo da perda do parceiro. O amor patológico é predominante em mulheres e se caracteriza pela excessiva desconfiança e possessividade, mas seus questionamentos sobre fidelidade são geralmente calçados em motivos mais plausíveis.
O ciúme patológico também inclui atitudes egoístas, impulsivas e violentas. O quadro motiva inúmeros casos de homicídios seguido de suicídio – “crimes passionais”. Os pensamentos do ciumento costumam ser similares aos daqueles com transtorno obsessivo compulsivo: são intrusivos, desagradáveis e incitam atitudes de verificação ou busca de reasseguramento.
Neurofisiologia da Emoção. Devido à dificuldade de estudar o ciúme por relatos dos pacientes, neurocientistas, psicólogos, neurologistas, tentaram medições fisiológicas para tal sentimento. Buss e colaboradores começaram medindo a atividade do sistema nervoso autônomo em situações imaginárias de infidelidade. A freqüência cardíaca e a sudorese de universitários mostraram-se aumentadas quando imaginavam suas parceiras tendo relações sexuais com outras pessoas. As mulheres mostraram-se mais perturbadas ao imaginar o parceiro apaixonado por outra mulher. No entanto, como os indivíduos estavam apenas imaginando uma traição, os testes não mostraram uma fidelidade científica já que poderiam apenas estar aferindo as respostas fisiológicas a outros sentimentos como medo ou ainda outros sentimentos cognitivos-emocionais. Os homens, por exemplo, exibiam o mesmo padrão de resposta quando imaginavam eles próprios tendo uma relação sexual com suas namoradas, o mesmo acontecendo com mulheres sexualmente ativas.

Aphrodite disarming Eros (A. Blocklandt - Prague, Narodni galerie v Praze)
 (fonte: http://www.sistemanervoso.com)


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