Ciúme: do comportamento fisiológico ao
patológico
A mitologia grega tem belas histórias de amor e
ciúmes. Uma delas é o romance ente o deus Eros e a mortal Psiquê, cuja beleza
atraia admiradores e despertou o ciúme e a fúria de Afrodite, mão e Eros. Para
se vingar, ela pediu ao filho que usasse suas flechas encantadas para fazer com
que a bela se apaixonasse pela criatura mais feia do mundo. Eros partiu para a
missão mas não a concretizou já que se feriu com sua própria flecha e se
encantou pela jovem.
Psiquê, filha caçula do rei de Mileto, era a
única solteira. Preocupado por não encontrar um pretendente para a moça, o pai
consultou o oráculo de Apolo, por meio do qual o próprio Eros ordenou que ele a
enviasse para o topo de uma montanha, onde seria desposada por uma serpente. A
recomendação foi cumprida e Psique, abandonada ao sacrifício. Tomada por um
sono profundo, despertou num castelo florido. Lá se entregou ao romance com
Eros, que a visitava todas as noites, sempre no escuro e encapuzado.
Inconformadas com a ausência de Psique, as irmãs resolveram procurá-la. Quando
a encontraram em um local tão agradável, tendo todas as vontades realizadas por
um deus misterioso, o ciúme e a inveja entraram em cena. Influenciada pelas
irmãs e a despeito das advertências de Eros, Psiquê insistiu em descobrir a
identidade do amado. Uma noite ela conseguiu se aproximar enquanto ele dormia.
Deslumbrada com a beleza de Eros, ela deixou cair em seu ombro uma gota de óleo
da lâmpada que carregava. Magoado e furioso, ele a castigou por ter
desobedecido a seu pedido e a abandonou, apesar de todos os apelos desesperados
de Psiquê. As últimas palavras do deus: “O amor não pode conviver com a
suspeita”.
É possível entender o ciúme como uma
manifestação do ser humano, tão normal quanto a raiva, o medo ou a inveja. Há,
no entanto fatores a serem considerados: a origem do sentimento, sua
intensidade e duração, a maneira como a pessoa que o sente reage, a importância
que assume no cotidiano e interferências que provoca não apenas na vida do
ciumento mas na daqueles que o cercam.
O filósofo francês Roland Barthes escreve:
“Como ciumento sofro quatro vezes: porque me reprovo por sê-lo, porque temo que
meu ciúme machuque o outro, porque me deixo dominar por uma banalidade; sofro
por ser excluído, por ser agressivo, por ser louco e por ser comum”. O filósofo
mostra a contradição e multiplicidade desse sentimento polimorfo tão presente
no cotidiano.
Em diversas situações o indivíduo experimenta
descontrole emocional: antigos fantasmas o assombram, levando-o a confundir
situações atuais com traumas vividos ou imaginados.
Na psicanálise observamos o caso em que Freud
descreve como transferência a situação em que viveu: recém saído da faculdade
de medicina, ele conhece o doutor Breuer que apaixona-se por sua paciente Anna
O (Bertha Pappenheim). Anna O também apaixona-se por Breuer. No entanto, a
esposa de Breuer com ciúmes exige que Breuer pare de atendê-la, indicando o
doutor Sigmund Freud, pelo qual a paciente apaixona-se novamente.
A síndrome de Otelo é descrita como a
realização do homicídio pelo marido que suspeita da traição de sua mulher. Após
cometer o assassinato, suicida-se. É provável que na sociedade em que vivemos
as relações tornem-se mais tênues, por um lado, e mais sujeitas ao rebote do
efeito social frustrador, por outro. Parece que o indivíduo da sociedade
moderna transfere sua busca da realização de anseios de consumo e posse para o
relacionamento, concretizando sua raiva e agressividade.
O ciúme é um sofrimento psíquico que anuncia
quando a situação passa a causar mal-estar intenso, repetindo-se de forma
obsessiva (invasão de pensamentos) e compulsiva (perda do controle sobre suas
ações), até comprometer aspectos da vida pessoal. Em algumas sociedades o ciúme
é considerado uma “prova de amor”, não sendo possível amar alguém sem que junto
venha o sentimento do ciúme. Há pessoas que tentam despertar o interesse do
parceiro deixando-o enciumado. No Brasil há poucos estudos sobre o tema,
mostrando a consideração do ciúme como um comportamento “normal”.
Estudos recentes nos Estados Unidos mostram que
os indivíduos ciumentos possuem fragilidade emocional e extrema insegurança do
cônjuge. O perfil do ciumento, verificado por questionários num estudo recente,
mostra que são pessoas que duvidam da sua própria capacidade de atrair interessados
e de iniciar relacionamentos, tem dificuldades de acreditar que podem manter
uma relação estável. A baixa auto-estima não só o leva a acreditar que pode ser
traído pelo amado como também o faz esperar constantemente por isso. Outro
componente verificado é o tormento da imaginação obscessiva. As pessoas
constroem fantasias paranóides, sentindo-se ameaçada pela perda e pela
humilhação.
É muito difícil para o profissional estabelecer
um limite entre o sentimento fisiológico (normal) e o patológico. A literatura
define o ciúme normal como um sentimento transitório, apresentado em momentos
específicos, baseado em fatos concretos dentro de um contexto envolvendo um
relacionamento amoroso. Já as manifestações patológicas aparecem como
preocupações excessivas e infundadas, não necessariamente num contexto de
relação amorosa e caracteriza-se com sintomas de quadros como transtornos de
personalidade, alcoolismo, depressão e obsessão.
Pessoas com amor patológico também costumam
sofrer de ciúmes devido ao intenso e contínuo medo da perda do parceiro. O amor
patológico é predominante em mulheres e se caracteriza pela excessiva
desconfiança e possessividade, mas seus questionamentos sobre fidelidade são
geralmente calçados em motivos mais plausíveis.
O ciúme patológico também inclui atitudes
egoístas, impulsivas e violentas. O quadro motiva inúmeros casos de homicídios
seguido de suicídio – “crimes passionais”. Os pensamentos do ciumento costumam
ser similares aos daqueles com transtorno obsessivo compulsivo: são intrusivos,
desagradáveis e incitam atitudes de verificação ou busca de reasseguramento.
Neurofisiologia da Emoção. Devido à dificuldade
de estudar o ciúme por relatos dos pacientes, neurocientistas, psicólogos,
neurologistas, tentaram medições fisiológicas para tal sentimento. Buss e
colaboradores começaram medindo a atividade do sistema nervoso autônomo em
situações imaginárias de infidelidade. A freqüência cardíaca e a sudorese de
universitários mostraram-se aumentadas quando imaginavam suas parceiras tendo
relações sexuais com outras pessoas. As mulheres mostraram-se mais perturbadas
ao imaginar o parceiro apaixonado por outra mulher. No entanto, como os
indivíduos estavam apenas imaginando uma traição, os testes não mostraram uma
fidelidade científica já que poderiam apenas estar aferindo as respostas
fisiológicas a outros sentimentos como medo ou ainda outros sentimentos
cognitivos-emocionais. Os homens, por exemplo, exibiam o mesmo padrão de
resposta quando imaginavam eles próprios tendo uma relação sexual com suas
namoradas, o mesmo acontecendo com mulheres sexualmente ativas.
Aphrodite disarming Eros (A. Blocklandt -
Prague, Narodni galerie v Praze)
(fonte: http://www.sistemanervoso.com)
Isso é tudo bobagem!!!
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